O setor de saúde irá registrar, nos próximos dez anos, mudanças estruturais nunca antes vistas, impulsionadas por novos modelos de cuidado, alterações demográficas e, sobretudo, pelas novas tecnologias. O mercado global de inteligência artificial (IA) em saúde ilustra a magnitude dessa transformação. A projeção é que o setor movimente cerca de US$ 613 bilhões até 2034.
No Brasil, parte desse movimento já aparece em estudos que apontam que a IA aplicada à saúde ainda está em estágio inicial, mas com potencial expressivo.
Para Hans Dohmann, médico, doutor em Ciências da Saúde pela UFRJ e profissional com trajetória em gestão pública e saúde digital, o cuidado tende a se deslocar progressivamente para modelos baseados em prevenção, monitoramento contínuo e análise de dados em tempo real.
O que vai moldar a próxima década
Dohmann destaca que três elementos vão se combinar para redesenhar o cuidado em saúde: atenção primária fortalecida, integração de dados populacionais e uso estratégico de tecnologias como IA e telemedicina. O médico explica que “não será suficiente ter leitos, será preciso prever, intervir antes, e manter cuidado próximo ao cotidiano das pessoas”.
No cenário brasileiro, um levantamento mostra que a adoção de IA na saúde ainda enfrenta desafios de qualidade de dados, interoperabilidade e governança.
Entretanto, a capilaridade do sistema público e a cobertura territorial podem se tornar vantagem competitiva para inovação em saúde.
Segundo o especialista, uma das chaves será a transformação dos dados coletados pelas unidades de base em insumos analíticos para prever risco, otimizar o uso de recursos e personalizar o cuidado.
Novos modelos assistenciais
Segundo Dohmann, o cuidado médico tradicional baseado em atendimento reativo, hospitalar, cederá lugar a um modelo predominantemente proativo, centrado na comunidade, no domicílio e no uso de plataformas digitais. Ele aponta que “na próxima década veremos a atenção primária não apenas tratar mas também monitorar, antecipar e ajustar” com impacto direto nos custos, na eficiência e na satisfação dos usuários.
Estudos recentes indicam que a telemedicina, a automação de processos e a IA serão pilares dessa mudança. Um relatório especializado afirma que a “década da transformação digital” já começou no setor de saúde, com clínicas e hospitais revisitando seus modelos operacionais sob a pressão de inovação e dados.
Desafios e condições
Dohmann adverte que, apesar das oportunidades, há entraves consideráveis. Ele cita três áreas críticas: qualidade e padronização dos dados, regulamentação e governança das tecnologias, e equidade no acesso aos novos modelos de cuidado. “Sem resolver os gargalos de base, o ‘novo’ cuidado ficará restrito a nichos e não a rede inteira”, afirma.
No Brasil, por exemplo, o estudo do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC) mostra que, embora haja visibilidade sobre a IA na saúde, o país ainda está “engatinhando” em adoção sistemática, e as iniciativas permanecem fragmentadas.
“Agenda pública e privada deverão convergir para que o modelo funcione em escala”, antecipa o médico.
O que isso significa para gestores, pacientes e o mercado
Para gestores de saúde, a mensagem de Dohmann é que os investimentos devem se deslocar do “mais hospital” para “melhor rede, melhor dado, melhor fluxo de cuidado”. Para os pacientes, ele prevê que “o contato com o sistema de saúde será mais constante, digitalizado e adaptado à rotina e “não apenas quando se fica doente”. Para o mercado, o cenário se abre para inovações assistenciais, plataformas de dados, modelos de pagamento por valor e parcerias público-privadas.
Ele conclui que “a próxima década será decisiva: ou transformamos os sistemas de saúde para responder aos desafios que virão, envelhecimento populacional, doenças crônicas, novas ameaças sanitárias, ou ficamos presos à forma como cuidávamos há 50 anos”.
Sobre Hans Dohmann

Hans Dohmann é médico e doutor em Ciências da Saúde pela UFRJ, com experiência em pesquisa, gestão pública e modelos de cuidado em saúde. Foi secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro entre 2009 e 2014 e hoje atua no setor privado, onde desenvolve projetos de saúde digital e gestão populacional como diretor médico da Stone.
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