Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto desenvolveram um tomógrafo de mama por ultrassom capaz de oferecer uma alternativa complementar mais confortável e segura aos métodos tradicionais de diagnóstico do câncer de mama.
O equipamento, batizado de TomUS, é fruto de um projeto integralmente nacional e caminha agora para a fase de testes clínicos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP).
Segundo o coordenador do Grupo de Inovação e Instrumentação Médica e Ultrassom (Giimus), professor Antonio Adilton de Oliveira Carneiro, “o design do projeto, assim como todos os protocolos de geração e processamento de imagens, desde a concepção até a prototipagem, são fruto exclusivo da ciência brasileira”.
Tecnologia nacional e proposta de diagnóstico sem radiação
O TomUS utiliza ondas ultrassônicas e elimina a necessidade de radiação ionizante e compressão das mamas. Por esse motivo, o exame tende a ser mais confortável e seguro. Durante o procedimento, a paciente deita-se de bruços em uma maca com um orifício para acomodação da mama, que permanece submersa em água morna. Essa água funciona como meio de propagação das ondas sonoras e garante imagens de melhor qualidade sem contato direto com o transdutor.
Carneiro explica que “a paciente deita-se em uma cama confortável, e o sistema faz tudo de forma automatizada”. A proposta reduz a variabilidade do exame, já que dispensa a atuação manual típica da ultrassonografia convencional.
O professor Jorge Elias Junior, da área de radiologia da FMRP, acompanha o desenvolvimento desde o início. “Eu colaboro desde o início da formação do laboratório do professor Adilton em vários projetos. Esse é um deles. A ideia já é bastante antiga, e agora chegou a um protótipo bastante interessante, que devemos colocar para teste no hospital”, afirma.
Como funciona o tomógrafo por ultrassom
O TomUS realiza uma tomografia tridimensional completa da mama por meio de um braço robótico que faz a varredura do tecido em múltiplos ângulos. De acordo com Carneiro, o sistema coleta as informações em cerca de cinco minutos e envia os dados a um software responsável pela reconstrução volumétrica.
Essas imagens permitem ao profissional “navegar pelo interior do tecido, visualizando cortes em diferentes profundidades”. O pesquisador acrescenta que isso “aumenta muito a chance de detectar pequenas lesões, especialmente em mulheres com mamas densas, nas quais a mamografia tradicional tem limitações”.
Outro diferencial é a possibilidade de análise remota. As imagens são armazenadas em um banco de dados em nuvem e podem ser avaliadas por radiologistas em qualquer região do País. Carneiro explica que “o operador apenas posiciona a paciente e aciona o protocolo. Todo o processo é automatizado, e o laudo pode ser emitido a distância por um especialista”.
Elias reforça que a telerradiologia já faz parte da rotina em muitos procedimentos. “A telerradiologia já é usada rotineiramente em praticamente todos os exames. Neste caso, haverá alguém que precisa conhecer o equipamento, fazer a aquisição e enviar as imagens, como ocorre em muitos outros métodos.”
Inteligência artificial e primeiros resultados
A tecnologia incorpora ferramentas de inteligência artificial que aprimoram o processamento e a padronização das imagens, ampliando a possibilidade de diagnósticos mais precisos conforme a base de dados evolui.
Os testes iniciais realizados em modelos físicos e em voluntárias saudáveis confirmaram a capacidade do TomUS de reconstruir imagens com fidelidade. Durante essa etapa, o equipamento identificou precocemente uma pequena lesão em uma pesquisadora voluntária. “Ela participava do estudo e o equipamento identificou uma alteração. A lesão foi confirmada em exames convencionais e tratada rapidamente”, relata Carneiro. Para ele, o episódio “foi a prova do potencial de salvar vidas com a detecção precoce”.
Apesar dos avanços, Elias lembra que ainda há etapas até a consolidação do uso clínico. “O que temos hoje é uma prova de conceito pronta para ser testada, mas ainda há um caminho longo até conseguirmos fazer as comparações clínicas com os exames que já utilizamos no dia a dia.” Ele reforça que será preciso definir os limites da tecnologia, já que “os tumores não aparecem de uma maneira única”.
Potencial para ampliar o acesso ao diagnóstico no SUS
O câncer de mama representa cerca de 15% dos novos casos da doença no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Apesar disso, há regiões do País em que menos de 60% das mulheres têm acesso à mamografia. Para Carneiro, o TomUS pode ajudar a reduzir essa desigualdade. “Nosso objetivo é justamente alcançar essas regiões”, afirma. “O TomUS foi pensado para ser instalado em qualquer local.”
Para acelerar a chegada da tecnologia ao Sistema Único de Saúde (SUS) e também ao setor privado, o Giimus estrutura uma startup em parceria com o Supera Parque de Inovação e Tecnologia de Ribeirão Preto. “A ideia é garantir que o TomUS chegue o quanto antes ao sistema público e privado de saúde”, diz Carneiro.
O projeto recebe apoio da Fapesp, do CNPq, da Capes e de uma emenda parlamentar da senadora Mara Gabrilli, destinada à validação e ao aprimoramento do protótipo.
Hoje, todos os equipamentos de ultrassom diagnóstico usados no Brasil são importados. O TomUS busca romper essa dependência. “Não é apenas um tomógrafo”, resume Carneiro. “É o resultado de anos de ciência feita aqui, com o objetivo de cuidar da nossa população.”
Elias completa afirmando que existem tecnologias semelhantes no exterior, “mas o equipamento construído aqui parece ter uma tecnologia um pouco diferente da que já está sendo comercializada”.
Fonte: Jornal da USP
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